Capítulo IV – 30 de Novembro
O dia 30 de
Novembro começou com uma longa roda à volta do quarto. Às 10:30 Rogério andava impaciente com o
regresso de Edmundo. Nada poderia falhar agora. Na noite anterior,
disfarçadamente, tinha saído e escondera os pés de cabra e a machada. A casa
encontrava-se pacificamente silenciosa e estalava o verniz da paciência de Rogério.
Enfim, um atraso que se prolongou até às 11:30, quando Edmundo apareceu, finalmente, e
buzinou fortemente no automóvel.
Os bons amigos se juntaram e logo veio
a família de Rogério atrás, ninguém esperava por ele naquela altura. Edmundo,
evasivo, disse que vinha ao certame de caça, estava a pensar dedicar-se a esse
desporto; depois de satisfeitas as dúvidas, seguiu-se o almoço. O café nem foi
servido, o certame de caça estava quase a abrir, o melhor era fazerem-se ao
caminho, mas os dois já almejavam que a noite caísse depressa.
Pelo pavilhão, manifestavam no seu
vaguear que se encontravam perdidos, com os pensamentos postos no alto do monte
e nas portas da capelinha. Decidiram, para matar o tempo, beber uma caneca de
vinho e comer duas revigorantes chouriças na brasa. Falando do omnipresente
assunto, relançaram confiança, até ao ponto de deliberarem jantar numa das
tendas.
Bem comidos e bebidos voltaram à serra.
Pelas 21:00 depreenderam pelos sinais que não se poderiam
demorar muito, pois ameaçava chover. De chofre em chofre, a carrinha de Rogério
subiu a vereda. Pararam, e fazendo figas, prepararam-se para o assalto. Tinham
tudo pronto, o relógio contava, e o tempo em sucessivas revoluções abrira um
fôlego quente da respiração. Por entre a vegetação, irromperam duas luzes
secretas. E foram directas à parte de trás do templo. Meio embrumados
apagaram as lanternas. Tinham o pé de cabra e a machada, a porta o alvo primal.
No escuro a machada elevou-se, o pé de cabra já tinha vitimado um pouco a
porta, a machada partiria e deslindaria as placas de madeira. Tudo corria bem,
mas eis que dois faróis se acenderam. Como dois presos ou dois coelhos na mira
da morte, fugiram, deixando a machada no chão. Não tinham reparado que entre
dois pinheiros existia um automóvel. Agora não tinham tempo para averiguações,
contavam salvar a pele. Podiam ter sido observados e quem sabe reconhecidos.
Rogério não se recordava de, em todas as vezes que vigiara o local,
observar movimentos estranhos. Edmundo replicou com rancor. Na carrinha discutiram, porque todo o
secretismo do golpe estaria de uma próxima vez prejudicado. Na próxima vez não
haveria uma feira da caça que servisse de álibi. Bem longe estava posta a
próxima oportunidade. Tudo parecia dar azo para desistirem do projecto. E por
causa de uns namorados ou lá o que fosse. Mas Rogério entendeu que nem tudo se
escapulira das suas mãos. Ele sozinho conduziria a missão, enquanto Edmundo negociaria no mercado negro as jóias a um bom preço.
E até se equacionou vender a Santa, quanto mais dinheiro juntassem melhor.
No regresso a casa, de ânimos serenos,
pensaram também em se vingar dos miseráveis que apareceram ao canto do descampado. No fim de contas correram
riscos, e quem não os corre que os alugue no clube de vídeo. Sentiam-se heróis
e criminosos, e encontravam-se perplexos quanto à possibilidade de o povo falar
numa tentativa de assalto à capelinha, ou até de uma tentativa de assassinato
de um casalinho de amantes, ou até as duas estrelinhas juntas. Riram bastante
das suas perversões, e riram pensando já se saberem ricos.
Sem comentários:
Enviar um comentário